A aplicação da pena de morte no Brasil como pena capital veio à tona nos últimos dias porque um brasileiro, Marco Archer Moreira, foi executado na Indonésia e outro aguarda no corredor da morte. Há vários fundamentos jurídicos para a não aplicação da pena de morte no nosso país. O principal e com certeza irrefutável é que a nossa Constituição Federal, no seu art. 5º, quanto trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, no inciso XLVII afirma que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (Competência privativa da Presidência da República). Esse texto é uma cláusula pétrea da nossa Constituição, ou seja, não pode ser alterado nem mesmo por Emenda Constitucional. Cuida-se aí do argumento jurídica. Mas quais os fundamentos para um cristão não defender a pena de morte?
O primeiro deles é que o direito natural constitui-se a própria essência do direito como ciência jurídica. O direito natural introduziu os conceitos de justiça, valor, moral e ética no direito. Depois, com o movimento positivista (que no direito significa aplicar a lei ao caso concreto, assim como ela foi elaborada, sem se fazer juízo de valor) abandonou-se a importância do direito natural. Mas hoje existe uma corrente no direito moderno, conduzida por John Finnis, baseada nos escritos de Tomás de Aquino, que procura resgatar o direito natural dentro da ciência jurídica. Assim, apenas porque um país tem uma lei, uma Constituição, disciplinando a hipótese de pena de morte, não se pode dizer que tal pena seja justa à luz do direito natural.
Depois, o cristianismo constituiu-se o fundamento para a criação do que hoje chamamos de direitos humanos. Sem as linhas mestras do cristianismo, como misericórdia, perdão, amor e paz, não haveria a constituição de Estados e nem de leis com o desenvolvimento de direitos básicos ou fundamentais. Apesar do rompimento do Estado com a Igreja, depois da chamada Revolução Francesa, a contribuição dos ideais cristãos ficou marcada em toda legislação do mundo ocidental (e parte do mundo oriental). Mesmo que exista uma corrente que critique bastante a Igreja Católica pelos Tribunais da Inquisição, esses tribunais também cometeram vários erros porque à época estavam apegados à justiça da Lei antiga, sem observância do conceito de misericórdia, que havia sido trazido pelo próprio Jesus.
Ora, Jesus revogou a pena de morte do velho testamento, que se embasava na Lei do Talião (olho por olho, dente por dente). Ao introduzir o conceito de misericórdia e perdão, quando proibiu o apedrejamento da mulher adúltera, trouxe uma nova interpretação, apesar da Lei existente à época. O texto encontra-se em João 8,1-11. Diante do pecado, Jesus acolhe o pecador e o convida para uma conversão. Ele não deseja a morte do pecador.
Além disso, a vida é um dom de Deus, não cabe ao próprio homem extinguir a vida de outro homem através de uma lei instituída pelo Estado. Há alguns que defendem que já existe uma pena de morte no país, pois centenas de pessoas são assassinadas injustamente pelos bandidos todos os dias. Mas aí se trata de um caso de segurança pública, cujas políticas públicas devem ser desenvolvidas pelo Estado. Se decidirmos que nós mesmos devemos fazer justiça com as próprias mãos ou defender a pena de morte, estaremos negando os princípios maiores do cristianismo e defendendo a volta da vingança privada.
Por fim, a sociedade vive o que hoje se chama de Pós-Modernismo, a era das incertezas. Ninguém consegue conservar valores ou princípios básicos que devem ser seguidos. Não há incentivo ao desenvolvimento das virtudes individuais. O relativismo prepondera. É por isso que um cristão pode achar que seja justo defender a pena de morte, abandonando toda a base de sustentação da Palavra. Contudo, conforme os argumentos acima, o cristão que deseja imitar Jesus jamais deve defender a pena capital.
Carlos Wagner Araújo Nery da Cruz
Magistrado e Presidente da Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos.