Pe. Igor Torres
Mestrando em Bioética no Pontifício Ateneu Regina Apostolorum
4. SÃO JOSÉ E O DESAFIO DAS MIGRAÇÕES
Os migrantes estão no coração do Papa porque desde sempre estiveram no coração de Deus. Mais que um “tema”, são uma “realidade”, que tem por advogada a própria Escritura. “A Sagrada Família teve que enfrentar problemas concretos, como todas as outras famílias, como muitos dos nossos irmãos migrantes que ainda hoje arriscam a vida acossados pelas desventuras e a fome. Neste sentido, creio que São José seja verdadeiramente um padroeiro especial para quantos têm que deixar a sua terra por causa das guerras, do ódio, da perseguição e da miséria”. Levando consigo o maior tesouro do mundo, Jesus e Maria, nem por isso foi poupado das violências do seu tempo. Com São José, o itinerante de Deus, “devemos aprender o mesmo cuidado e responsabilidade: amar o Menino e sua mãe; amar os Sacramentos e a caridade; amar a Igreja e os pobres. Cada uma destas realidades é sempre o Menino e sua mãe”.
Penso agora na representação de Nossa Senhora do Desterro – aquela venerada em muitas casas simples do Nordeste – com a imagem de José, o guia discreto, ao lado de Maria, grávida do Salvador, sentada sobre o jumentinho na travessia para Belém. Depois do nascimento, sonhos proféticos e êxodos se alternaram na vida de José e da sua família, como na vida de jovens esposos que não por ambição, mas por direito, só querem ver o filho crescer em paz. O compromisso com as famílias migrantes – na verdade, com todas as famílias que sofrem – envolve a comunidade cristã por inteira, esta que, por sua vez, é a família de Deus peregrina neste mundo.
5. SÃO JOSÉ E A PATERNIDADE RESPONSÁVEL
Tema central na Carta é a paternidade de José, projetada na vida de Jesus como “sombra do único Pai celeste”. Em sentido espiritual, todo cristão é chamado a essa vocação: estender no mundo a presença de Deus, identificando-nos com o Filho que é a sua perfeita revelação. Em sentido moral, a resposta livre de José se traduz numa provocação: “o mundo precisa de pais, rejeita os dominadores, isto é, rejeita quem quer usar a posse do outro para preencher o seu próprio vazio; rejeita aqueles que confundem autoridade com autoritarismo, serviço com servilismo, confronto com opressão, caridade com assistencialismo, força com destruição”.
Em família, “ser pai significa introduzir o filho na experiência da vida, na realidade. Não segurá-lo, nem prendê-lo, nem subjugá-lo, mas torná-lo capaz de opções, de liberdade, de partir”. Ao mesmo tempo, significa conservar a beleza do amor, isto é, viver a castidade matrimonial e espiritual. “Não se trata duma indicação meramente afetiva, mas é a síntese duma atitude que exprime o contrário da posse. (…) O próprio Deus amou o homem com amor casto, deixando-o livre inclusive de errar e opor-se a Ele. A lógica do amor é sempre uma lógica de liberdade, e José soube amar de maneira extraordinariamente livre. Nunca se colocou a si mesmo no centro; soube descentralizar-se, colocar Maria e Jesus no centro da sua vida”. Se nas famílias o amor de Maria (nas esposas) encontrar o amor de José (nos maridos), os filhos crescerão no amor obediente de Jesus. Com efeito, “não se nasce pai, torna-se tal… E não se torna pai, apenas porque se colocou no mundo um filho, mas porque se cuida responsavelmente dele”. Toda responsabilidade nasce do amor.
6. CONCLUSÃO
O Ano de São José, instituído pelo Papa Francisco, coincidirá em grande parte com o Ano da Família Amoris Laetitia. Não por acaso, ele também é invocado como Protetor das famílias, Guardião do Lar de Nazaré. Diante da vida ameaçada – nunca como em nosso tempo! – o testemunho de José desafia os argumentos da prepotência humana com uma existência quase imperceptível, não fossem aqueles a quem serviu como pai e esposo providente.
Ó bom José, que protegeste a vida oculta no ventre de Maria e garantiste que Jesus se orgulhasse de um pai terreno, livra o nosso mundo dos males do aborto e do abandono dos filhos.
Ó bom José, que respeitaste com amor íntegro tua esposa, de quem permaneceste ao lado, mesmo quando a dúvida bateu à porta, protege as mulheres da violência familiar e social, do medo e da solidão.
Ó bom José, que foste pai na plenitude dos tempos, sombra do Deus eterno que guardava a família de Nazaré, abençoa os nossos pais e os que vivem essa vocação no cuidado pela Igreja e por toda a sociedade.
Ó bom José, que santificaste as viagens fatigantes, o silêncio e o trabalho, e colheste os sinais da Providência na ordem natural da vida, providencia um destino seguro aos migrantes e inspira o verdadeiro progresso das nações.
Ó bom José, que na hora final, foste consolado por aqueles que, no Céu, são a alegria dos que morrem em paz, acompanha os agonizantes e intercede pelos doentes, para que não lhes falte o cuidado nem uma morte digna.
Com o Papa Francisco, também nós concluímos: “Só nos resta implorar, de São José, a graça das graças: a nossa conversão”.
Você pode conferir a primeira parte do artigo no neste link:
MEDITAÇÕES BIOÉTICAS A PARTIR DA CARTA APOSTÓLICA PATRIS CORDE – PARTE I