Os milhões de católicos espalhados pelo globo dizem as palavras que servem de título a este artigo nas missas dominicais, solenidades e festas litúrgicas e orações privadas, como o terço. Elas fazem parte do Símbolo dos Apóstolos, ou Credo. Credo por ser a primeira palavra da oração na tradução latina (Credo in Deum Patrem…). Mas, caro leitor, já parou alguma vez para pensar no que significa crer na comunhão dos santos?
As duas grandes celebrações próximas no calendário litúrgico da Igreja nos ajudam bastante a refletir sobre este artigo de fé que professamos no Credo: a Solenidade de Todos os Santos (1 de novembro) e a Comemoração de Todos os Fieis Defuntos (2 de novembro). Particularmente, toca-me bastante os detalhes da pedagogia eclesial ao nos propor celebrar o mistério da comunhão dos santos: num dia a igreja peregrina (nós, os vivos) se une em oração aos da igreja triunfante (aqueles que estão na glória celeste), e no outro dia eleva suas preces pelos que já partiram desta vida e estão no estágio de purificação antes da entrada no paraíso (a igreja padecente, ou purgatório). Daí que a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de Todos os Fieis Defuntos são datas próximas uma da outra. A íntima união sobrenatural entre os fieis das três igrejas (peregrina, triunfante e padecente) em Jesus Cristo, nosso Senhor é o que a teologia católica chama de comunhão dos santos. Ele é a cabeça da Igreja, que é seu corpo. Todo o Povo de Deus, seus membros vivos e defuntos, estão conectados por esta rede espiritual que é a graça do batismo, que nos faz participantes da vida divina e nos habilita à salvação.
Pela oração, liturgia e a caridade, os santos (aqui me refiro à totalidade dos fieis batizados, não somente àqueles e aquelas que foram canonizados pela Igreja) comungam dos méritos de Jesus obtidos em sua paixão, morte e ressurreição, a sua Páscoa. Todas as nossas aspirações encontram início e fim em Cristo, o Santo por excelência (cf. Jo 3, 1-15; 1Cor 3, 16-17; Gl 5, 16-25; Rm 8, 9-14), que deseja a participação da humanidade no seu espírito de santidade. Pela Igreja, sacramento universal de salvação (Lumen Gentium 48), todos os homens e mulheres de boa vontade podem participar da vida de Deus. Essa certeza era tão forte que nos primeiros séculos os membros das comunidades cristãs primitivas se denominavam “santos” (2Cor 11, 12; Rm 15, 26-31; Ef 3, 5-8; 4, 12), e a própria Igreja era chamada “comunhão dos santos”. A santidade do cristão se manifesta, pois, na participação na vida de Deus. Ser santo é estar com ele, nele e para ele. Isso se realiza com o auxílio dos meios que a Igreja oferece, de modo particular pelos sacramentos. Em outras palavras, podemos dizer que ser santo é ser amigo de Deus, vivendo em seu amor e cumprindo sua vontade. Por isso, não se concebe a santidade como algo duro, maçante, engessado ou inatingível. Nem é um dom dado a algumas pessoas privilegiadas. A santidade é um chamado universal. Todos nós, cristãos, podemos e devemos ser santos para que sejamos salvos.
Portanto, celebrar a Solenidade de Todos os Santos não é celebrar somente os santos oficialmente canonizados pela Igreja. É celebrar algo mais profundo: o mistério da comunhão dos santos. Os nossos amigos do céu, como gosto de chamá-los, escutam nossas preces e junto a Jesus, o único mediador entre nós e o Pai, intercedem por nós, uma vez que fazem parte desta mediação. Eles participam do céu já na posse; nós participamos na esperança. Eles já contemplam a Deus face a face, sem véus; nós aqui na terra o vemos antecipadamente sob a forma da Eucaristia. A igreja triunfante e a peregrina são extremamente próximas entre si. Mas também não estamos distantes da igreja padecente. A igreja terrestre e celeste se unem em prece pela igreja em purificação, pois eles também fazem parte do corpo místico de Cristo. Não estão excluídos, num espaço à parte. Após celebrarmos Todos os Santos, comemoramos todos os irmão e irmãs amados que já partiram e são objetos de nosso afeto.
O Dia de Finados carrega um sentido novo pela fé cristã. Para além das lágrimas, do luto e da dor da perda, que todos nós sofremos e não devem ser abafados por um frio moralismo, como se fossem coisas sem relevância, nós cremos que a morte não tem a palavra final sobre os filhos e filhas de Deus. Jesus, por sua morte na cruz, destruiu a morte e seu império, e com sua ressurreição nos mostrou o que nos aguarda na reta final de nossa caminhada. E, na esperança de que todos alcancem a vida eterna prometida, nós, os vivos, em união de preces com os eleitos do céu, podemos ajudar os fieis defuntos no processo de purificação, pois aqueles que morrem em estado de graça necessitam purgar algo, livrar-se de algumas imperfeições que subsistem ainda, para que estejam totalmente prontos a estarem com Deus na eternidade. Sabemos por antiga tradição que é lícito rezar pelos que já partiram, como também oferecer por eles obras de caridade, indulgências e a celebração da Eucaristia. Temos inúmeros testemunhos da eficácia destes gestos, das Sagradas Escrituras, passando pela doutrina dos Padres da Igreja até o ensino do Magistério.
Animados por tão grande e profundo mistério, não hesitemos em exercer a caridade da intercessão mútua entre os irmãos e irmãs das três igrejas, unidos em torno de Cristo cabeça, o Santo dos santos. Somos uma grande família amada por Deus.
Yago Waquim
Seminarista da Arquidiocese de Teresina
Estudante do quarto ano do curso de Bacharelado em Teologia pelo ICESPI