Há alguns dias me peguei despretensiosamente refletindo sobre a figura da morte – aquela que aprendemos a conhecer desde os gibis, mostrada com uma túnica negra com capuz, instrumento similar a uma foice e sem rosto visível – buscando compreendê-la e verdadeiramente entender o seu significado: se é simplesmente perversa por natureza ou se, ao contrário, é algo bom e do qual jamais poderemos escapar.
Desde a nossa concepção, já temos duas certezas plenas: uma, que a morte é o primeiro compromisso que assumimos pelo simples fatos de estarmos vivos; a outra, que será o nosso último compromisso enquanto seres humanos.
A danada da morte é uma figura que remonta à mitologia e a cultura popular há milênios. Na mitologia grega, Tânato seria a divindade que personificava a morte, enquanto Hades seria o deus do mundo da morte.
Na Bíblia (livro do Apocalipse), a morte é vista como sendo um dos quatro cavaleiros (os outros a peste, a guerra e a fome).
Mas afinal, para não nos alongarmos, tu és, ó MORTE, perversa ou boazinha?
Para encontrarmos a resposta, fundamental remontar à Páscoa do ano 30.d.c., quando Deus libertou Jesus das angústias da morte, conforme visto nos Ato dos Apóstolos, 2:24. Assim, como assenta Willibald Bösen (Böse, Willibald. Ressuscitado segundo as escrituras: o fundamento bíblico da fé pascal. Paulinas, 2015) Jesus Cristo foi o primeiro dos humanos saído do Hades, do reino dos mortos, dotado de vida nova. Deus nos apresentou a prova de ter vencido o duelo com aquela que seria sua inimiga, a morte, saindo-se vencedor inquestionável e isso é o que verdadeiramente presenciamos na páscoa com a ressurreição de Cristo.
Depois deste evento único e ímpar na história da humanidade, sem testemunhas oculares, a morte passou a ter uma nova feição, não mais àquela com poderes ilimitados e que agia ao seu bel prazer, “levando a todos” quando lhe apetecesse; tornou-se simplesmente servidora de Deus, mensageira do “novo mundo”. Ora, se é Deus quem a envia até nós (Böse, Willibald. Ressuscitado segundo as escrituras: o fundamento bíblico da fé pascal. Paulinas, 2015) na mesma medida como um médico receita o remédio para a cura, como ela pode ser má? Deus, senhor do tempo e da vida, nos “receita” a morte para que possamos desfrutar da vida eterna (é um prêmio, e não um castigo como muitos entendem).
É certo que os homens, imagem e semelhança de Deus, fomos concebidos para a contemplação do eterno; entretanto, Deus se viu obrigado a nos receitar esse remédio aparentemente amargo – a morte – em razão do grave pecado, encontrando um fim aparentemente trágico (morrer), mas necessário para os seus dias. O pó será o nosso fim (Gn. 3,19).
São Francisco de Assis, antes de falecer com pouco mais de quarenta anos de idade, cego e com dores insuportáveis, ao ouvir um médico amigo seu de Arezzo que acabava de lhe dizer que segundo a ciência médica a doença seria incurável e que brevemente morreria, ergueu inesperadamente os braços exclamando com alegria: “Irmã Morte, seja bem-vinda!”. Pouco tempo depois, ele ampliou o seu “Hino ao Sol” com mais uma estrofe: “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal!” (J. Green. Bruder Franz. Freiburgo i. BR., 1993, p. 405-408).
Michelangelo já dizia: “Se amamos a vida, não deveríamos temer a morte; pois ela provêm da mesma mão”.
Na oração do Credo Apostólico encontramos os enunciados essenciais do querigma apostólico (Sattler, p. 879), além de comprovar que Cristo igualou-se a nós até na morte, na medida em que assim fora redigido: “…foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia;…”.
Em Isaías 26:19 encontramos na Sagrada Escritura: “Os teus mortos viverão, os seus corpos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó; porque o teu orvalho é orvalho de luz, e sobre a terra das sombras fá-lo-ás cair.” Sobre o poder de Deus sobre a morte, em 1 Coríntios 15:21-22 diz a Bíblia: “Porque, assim como por um homem veio a morte, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Pois como em Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados.”
Até mesmo a morte tem a certeza de seu fim (Apocalipse 21:3-4): “E ouvi uma grande voz, vinda do trono, que dizia: Eis que o tabernáculo de Deus está com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.” (grifamos)
Concluímos que é através da face aparentemente sombria da morte que não mais estaremos privados da visão de Deus, não passando a morte da mera vontade divina, de uma simples consequência temporal do pecado humano a qual não poderá nos separar do amor de Deus e, por ser criatura a serviço do Criador, nada tem de perversa ou de má.
Alexandre de Almeida Ramos, exerce as funções de Juiz Auditor do Tribunal Eclesiástico de 1ª Instância para a circunscrição eclesiástica de Teresina-Pi; pós-graduado em Direito Canônico; pós-graduado em direito civil e processo civil; autor do livro “O sobrenatural na advocacia – O código de ética e disciplina da OAB sob uma nova perspectiva”; membro da Sociedade Brasileira de Canonistas – SBC; membro fundador da União dos Juristas Católicos do Piauí; advogado e Conselheiro Estadual da OAB-PI.