Na última quinta-feira, por volta das 21h, a querida comunidade do Parque Rodoviário começou a sua Via Crucis. Sob a marca da Cruz, no alto da igreja, uma desastrosa enxurrada tragou casas e matou pessoas. De estação em estação, de passo em passo, quer seguir este povo vitorioso, ciente de que a tragédia não é a última palavra.
1. Condenados pela geografia e pelo “silêncio social”, feridos por uma noite em que não valiam mais as tentativas e as denúncias, só a dureza dos fatos.
2. Sob o peso de uma cruz muito pesada. A cruz do pecado de outros: indiferença, esquecimento, hipocrisia social. Sob o peso de não terem outro lugar, outra chance.
3. Caídos uma primeira vez pela violência da tragédia. O mundo sagrado do próprio lar destruído sob uma onda de lama. Sepultado num minuto o esforço de anos.
4. Um pouco acima, a igreja dedicada a Maria Auxiliadora. Quanto auxílio pode dar a Mãe! Abre as portas, põe os bancos, recebe as lágrimas. Como Maria, a Igreja é Mãe!
5. Muitos que passam são Cirineus, que se multiplicam em muitas mãos e pés, em rodos, enxadas e pás… E se tranformam em alimento, remédio e abrigo.
6. A roupa que veste os aflitos é como o lenço de Verônica! Sobre os rostos frágeis e atordoados, rostos humanos, desce o véu de Deus para cobrir os pequenos.
7. Caídos uma segunda vez pela vergonha. A mídia, o assédio, a ambiguidade de interesses! Dor que vira espetáculo, mas que não é teatro. Drama vivo dos quase-sem-vida.
8. Consolados, no entanto, pelos que choram de verdade: lágrimas do coração. Pelos amigos, vizinhos, por gente que chegou antes da tragédia e já insistia em amar o Parque Rodoviário.
9. Caídos uma terceira vez pelo desânimo. A doença humana de não ver horizonte! A ajuda imediata é só uma parte do problema. “Quem continuará? O que acontecerá? Para onde iremos?”
10. Sorte lançada sobre a comunidade… Uma enxurrada de compromissos políticos que pode matar de novo. Sem documentos, sem casa – migrantes em sua terra – até quando serão ajudarão?
11. Famílias foram crucificadas. Foram pregadas na cruz do desastre, da vergonha e do desânimo. Seus membros enfraqueceram, cravados em garimpar o que sobrou de suas casas.
12. E a morte… Que levou a experiência e a infância, a sabedoria e o vigor: uma idosa e uma criança! Mas a morte não é o fim, mesmo que pareça. A lama não sepulta o amor…
13. A Mãe Auxiliadora, que teve o Filho morto nos braços, tem um abraço para a comunidade inteira. Ninguém está fora dessa acolhida! Nenhuma tragédia é mais forte que um abraço!
14. O Parque Rodoviário sepulta seus mortos, mas não a esperança de retomar a vida, a família, a alegria. Veio a noite com a fúria da morte, mas a lâmpada insistente – junto do sacrário – garante que o dia volta a nascer.
15. Há uma última e definitiva estação. Um passo muito especial a ser dado. O fim da hipocrisia e da indiferença, do assédio midiático, da corrupção devastadora. Há uma ressurreição para o nosso povo: no Céu, e começando agora… Vida nova, vida digna, vida restaurada.
Impossível não lembrar o saudoso Pe. Pedro Balzi, que do Paraíso chorou por seu povo e vibra por um recomeço. Nesta hora, com seu exemplo, ele repetiria aos cristãos o essencial: que se ajudassem, que fossem “auxílio” um para o outro, que olhassem mais para o Céu e menos para si.
Há uma obra contínua a realizar: espiritualidade, educação, saúde, esporte, lazer, saneamento – uma missão que fica depois da tragédia, PORQUE ELA NÃO É DEFINITIVA.
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa Cruz e Ressurreição remistes o mundo!
Pe. Igor Torres