O Sino da Catedral Nossa Senhora das Dores tocava a cada meia hora. A casa mãe da nossa Arquidiocese estava pronta para receber o pastor que esteve por 16 anos à frente da Arquidiocese de Teresina.
Dom Miguel Câmara, Arcebispo Emérito da Arquidiocese, faleceu na última quinta-feira (28) em decorrência de um quadro de pneumonia que se agravou. Por 25 dias internado em um hospital da capital, não resistiu e descansou aos 93 anos de idade. O velório teve início às 20h do mesmo dia, na Catedral. Um grande número de fiéis participou do momento que seguiu por toda a madrugada e foi marcado por forte emoção.
Dona Zenaide Raulino é paroquiana da Catedral. Para ela, a marca de bom pastor e pai de todos é o que vai ficar na sua lembrança. “Ele foi um verdadeiro pai, pai de todos nós. Olhou como filho a todos. Sem distinção, sem olhar a quem. Amou e foi muito amado. Hoje está no céu ao lado do Pai de todos e nós aqui na Terra choramos essa partida”, disse emocionada.
A programação do velório teve início com a chegada do corpo na Igreja por volta de nove horas da noite e foi carregado por padres até o altar. Ao lado do caixão foi colocado o báculo que usou em todo o seu episcopado, um símbolo usado pelos bispos da Igreja Católica, para marcar o seu papel de pastor do rebanho divino.
Dom Miguel Fenelon Câmara Filho nasceu no dia 4 de abril de 1925, em Quixeramobim, município do Ceará. Desde criança já pensava em ser padre e com apenas 12 anos ingressou no Seminário Menor de Fortaleza.
Foi ordenado sacerdote aos 23 anos, em 8 de dezembro de 1948 com o Lema: Scio cui didi – Sei em quem acreditei. Nomeado pelo Papa João Paulo II, a ordenação episcopal foi em 19 de março de 1970. Desta data até o dia 5 de fevereiro de 1974 foi bispo auxiliar da capital cearense. Depois seguiu para o Estado de Alagoas em Maceió, e lá foi Arcebispo Coadjutor. Em 24 de novembro de 1976 tornou-se Arcebispo de Maceió. Nessas funções, cumpriu a missão de homem consagrado.
Embora de origem cearense, sempre revelou grande amor ao Piauí, especialmente por Teresina. Chegou na capital do Piauí no ano de 1984 e tomou posse como arcebispo metropolitano em 6 de janeiro de 1985. Foi o quarto arcebispo de Teresina.
Seu episcopado foi marcado por importantes contribuições como o avanço das pastorais sociais. Fato bem lembrado pelo Governador Wellington Dias que atestou a grande perda para a Igreja do Brasil.
“Eu tive uma relação com ele que é muito antes de eu me tornar político. Uma relação desde quando vim do interior para morar em Teresina. Éramos meninos eu e a deputada Trindade (in memorian) e integrávamos juntos o movimento dos vicentinos e das comunidades eclesiais de base. Dom Miguel tinha carinho especial pela comunidade jovem e por isso é considerado o mais amado pela juventude cristã até hoje. Ele sempre fez a opção pelos mais pobres, em momentos de conflitos sindicais e é essa memória que tenho dele. Por todo o seu legado, pela simplicidade, hoje é um dia muito triste. O Brasil perde um grande homem. Uma pessoa séria e honrada, responsável e importante para o crescimento da arquidiocese e a organização social da igreja”, lamentou o governador do Estado Piauí.
O sentimento de pesar também foi compartilhado pelo prefeito da cidade de Teresina, Firmino Filho. “Hoje é um dia triste. Sinto bastante essa partida. Esse homem tinha sinal de simplicidade. Era um grande representante da Igreja. Temos a missão de praticar seu exemplo. Me lembro de situações de conflitos de terra em que ele fez questão de ir in loco para dizer que estava do lado dos irmãos desassistidos. A nossa Igreja, Teresina, é grata a Dom Miguel Câmara.
A primeira missa de corpo presente teve a condução do Arcebispo de Teresina, Dom Jacinto Brito. A partir dali, a cada duas horas, padres da Arquidiocese conduziram as celebrações seguintes.
Padre Amadeu Matias foi o primeiro padre ordenado por Dom Miguel Câmara. O primogênito, como ele define. O sacerdote recebeu importantes missões de Dom Miguel à frente da Igreja. Para ele, dom Miguel foi um homem que marcou e marcará sempre a sua vocação sacerdotal.
“Eu era seminarista em Roma quando Dom Miguel veio para Teresina. Depois voltei para cá e dele recebi importantes atividades pastorais. Tive o privilégio de residir com ele. Em 1986 fui ordenado e tornei-me um colaborador do bispo. Tive nele um exemplo de pastor. Como sacerdote fui enviado para Valença , no Piauí, uma região grande que incluía outros municípios como Inhuma, Aroazes e Pimenteiras. Ele já pregava a descentralização pastoral há 32 anos atrás. Dom Miguel queria que nos afastássemos da igreja matriz, revelando seu espírito missionário . Ele compreendeu o que hoje se fala muito: igreja em saída, igreja que vai ao encontro dos afastados”, revelou o sacerdote.
O olhar zeloso com os menos assistidos foi a marca de Dom Miguel Câmara. Tanto é que as grandes obras sociais da nossa Igreja têm a sua assinatura. Padre Luis Eduardo também foi ordenado por Dom Miguel e é a marca da fraternidade que ele define como sendo o grande legado do Arcebispo Emérito.
“Teve um pastoreio exemplar. Com muita dedicação e sendo justo e caridoso, exigente e às vezes austero. Cobrando posições seguras e comportamento reto. Mas com um coração doce em relação aos menos assistidos. Ele nos deixa o amor e carinho aos pobres. Foi um homem de muito carinho e amado. Podemos testemunhar essa amizade aqui na Catedral com a presença de centenas de fieis”, declarou o padre.
Dom Jacinto Brito valorizou a caminhada de fé do religioso que fez um longo percurso de vida e de serviço à Igreja. O Arcebispo ressaltou que ele foi e será sempre exemplo do serviço gratuito na vida cristã.
“A esperança cristã triunfa sobre esse sentimento de dor e de saudade. Confirmamos com a missa de corpo presente que o cristão morre e ressuscita com Cristo. Dom Miguel administrou tanto os sacramentos de Deus e podemos imaginar quantas bençãos passaram por suas mãos e seu coração de pastor. Agora é hora de agradecer seu testemunho e que Deus faça fecundar na prática seu exemplo”, disse.
Ao amanhecer do dia 29, mais fiéis chegavam para se despedir do amado pastor. . Francisco Madeiro, da paróquia Nossa Senhora do Rosário de Fátima (Forania Sul I) reforçou que Dom Miguel foi espelho de fidelidade à Igreja. Um pastor que sempre apontou para o caminho social com coração cheio do amor de Deus.
“Como fiel admiro e testemunhei seu carinho com seus filhos. Foi acessível. Sua vocação sacerdotal e episcopal tinha a marca da simplicidade. A sua assistência não escolhia, era de todos que chegavam para solicitar algo”, disse.
As exéquias seguiram e em discurso, Dom Jacinto ressaltou: “o calor de sua fé continuará a nos aquecer e, sua bondade, traço característico de sua personalidade e pastoreio, permanecerá viva em nossos corações. Ao longo de 70 anos de ministério presbiteral e 48 de episcopado, quanto o evangelho ressoou pelos seus lábios, quanto os pés do mensageiro se apressaram em levar a Boa Nova a milhares de irmãos, quer no Ceará e Alagoas, quer no Piauí”, disse Dom Jacinto.
Padre Tony Batista, Vigário Geral da Arquidiocese de Teresina demonstrou emoção em todo o momento de despedida. Foi presente em todo o episcopado de Dom Miguel e também acompanhou os momentos de leito no hospital. O Vigário ressaltou que era importante remexer nas memórias porque Dom Miguel o ensinou que era importante estudar, buscar conhecimentos. “Eu lembro dele dizer que queria adquirir conhecimentos em informática. Ler era quase que um dever diário. Era um cidadão e irmão mais velho. Por isso agradecemos a Deus termos tido ele como nosso arcebispo”, declarou padre Tony.
No momento final da celebração, Dom Jacinto orientou que levassem o corpo para a Capela Nossa Senhora do Carmo (localizada no interior da Catedral). No mesmo local, estão depositados os restos mortais de Dom Severino Filho (primeiro arcebispo da Arquidiocese ). Os cânticos se somavam à emoção de centenas de fiéis.
A família de Dom Miguel Câmara participou de toda a celebração. Sobrinhos e irmãos também deram o último adeus. A irmã, Tereza Câmara, falou emocionada. “Não tenho muitas palavras, me falta raciocínio completo para externar tamanha dor. Vocês ficaram com ele, porque assim era seu desejo. Em meu coração levarei a saudade”, disse.
A missa de sétimo dia de Dom Miguel Câmara será celebrada na quarta-feira dia (04), às 8h da manhã, na Catedral Nossa Senhora da Dores
Por Vera Alice Brandão