O Simpósio Teológico Mariano reuniu na segunda noite de evento (18) um público de aproximadamente 400 pessoas. Visando proporcionar uma maior experiência dos fiéis com o amor de Maria, o encontro teve como cenário o Salão Paroquial de Fátima. O público presente acompanhou uma rica e profunda conferência, conduzida pelo Arcebispo Dom Jacinto Brito, que abordou a temática sobre “aquela que foi modelada pelo Espírito Santo para a grande missão de mãe de Jesus Cristo e da Igreja e recebeu a missão de nos colocar plenamente a disposição do Espirito Santo”, afirmou ele na abertura da palestra.
Ao iniciar a abordagem do tema “Maria na obra joanina”, Dom Jacinto reforçou que a intenção era falar de tudo aquilo que a tradição da Igreja consignou como sendo a obra do apóstolo João. “Não poderia deixar de inserir nesse contexto o quarto evangelho, as três cartas joaninas e o apocalipse”, antecipou sua amplitude de abordagem.
O arcebispo antecipou ao público presente que nas explanações da conferência não haveria espaço para especulações exegéticas, pois, segundo ele, há diferentes correntes de pensamentos e interpretações. “Mas ratifico que é comum na nossa Igreja uma tradição primitiva. Desde o Século II, atribui-se o quarto Evangelho a São João e por isso esse será, nesta noite, o objeto de nossas reflexões”, pontuou.
A conferência , com foco no Evangelho do discípulo que repousou a cabeça no peito de Jesus na última ceia, é um texto importante porque se trata de alguém que esteve bem próximo de Jesus. Dom Jacinto ratificou que as “as cartas são atribuídas a João, com a confirmação de autores reconhecidos na época. Podemos citar vários, entre eles : São Justino eEusébio de Sesariei. Este último autor eclesiástico esclarece, por exemplo, o termo “ancião” presente na carta e aponta São João como autor destas cartas, pois ali ele é chamado, numa tentativa de esconder sua identidade através do termo ”, explica o Arcebispo.
Na abordagem, o pastor explana que as três cartas guardam uma forte ligação com o evangelho, pois “podemos sentir algo de comum nos termos e nos argumentos, e, principalmente, no estilo do Evangelho e das cartas”, afirma.
Dom Jacinto disse ainda não há necessidade de imaginar que João escreveu de próprio punho as cartas contidas no Evangelho. “Estamos diante de livros que são canônicos e foram aceitos pela Igreja, então não existe dificuldade no acolhimento pois, para nós, é a Palavra de Deus e esse é o nosso foco no dia de hoje”, disse.
E algo de fácil entendimento que facilitou o entendimento do público presente foi o fato das três cartas, o 4º evangelho e o apocalipse, estarem colocadas no fim do primeiro século, entre os anos 95 e 100. “Isso é importante, pois tudo é muito próximo da ressurreição, se imaginarmos que ela se deu entre os anos 35 e 37. Vejamos que não é muito tempo”, afirmou.
A história é sempre uma linha interpretativa e isso foi muito evidenciado durante a conferência. Os participantes puderam observar que São João fez a transmissão dos fatos influenciado pelo antigo testamento. “A própria palavra Evangelho significa boa nova, e ele não é uma transcrição. Até porque ninguém tem a voz de Jesus gravada e não havia algo que possibilitasse isso naquela época. A redação foi sendo feita para guardar a memoria e não se perder a fidelidade e a doutrina. Para reforçar que a obra joanina, especialmente o livro do Êxodo, tem uma forte influência deste Evangelho, Dom Jacinto em suas explanações, convocou os fiéis pensarem na figura do cordeiro e a forma como São João enfatiza esta figura.
“Lembremos, por exemplo, do momento em que João enxerga Jesus passando na companhia de discípulos e diz: ‘Eis o cordeiro de Deus’. E depois lembrem do momento em que Jesus Cristo morreu na cruz. Isso aconteceu às três horas da tarde, exatamente na hora em que os cordeiros eram imolados, e João faz questão de dizer que não foi quebrado osso algum, recordam-se? Um dos requisitos, como está no livro do Êxodo , é que a escolha de um cordeiro para ser comido na páscoa exigia que este fosse macho, de um ano e sem nenhum defeito”, esclarece.
Dom Jacinto baseia-se na história para introduzir o tema central da conferência e convida: “Iniciemos pela mulher de Genesis. Nós podemos perceber que o texto vai iluminar a nossa reflexão na obra joanina […] entre ti e a tua mulher. Esta te ferirá a cabeça e tu me ferirás o calcanhar[…]
Utilizando-se de imagens e recursos tecnológicos o conferencista exibiu slides para reforçar o conteúdo. “Vejamos que Jesus tem nas mãos a cruz e a cruz como ferrão fere de morte a serpente e Maria pisa também na serpente. As nossas imagens, como disse ontem Dom Murilo, às vezes nos confundem. Que Nossa Senhora pisou o demônio, nós sabemos. Afinal ele nunca teve poder sobre ela. Mas a apresentação do dogma da imaculada é exatamente isso: a cruz é o ferrão, a redenção, a morte e ressurreição de Jesus. E Jesus é a causa da morte do maligno que fere de morte o dragão. Maria participa desta vitória sendo redimida por ele e colaborando. Ela é cooperadora do Mistério da redenção. Ela pisa para dizer que ele não tem poder sobre ela e portanto quem fere de morte é o próprio Cristo”, explica.
Dom Jacinto ressalta que são aparentemente inexpressivas as citações de Maria. “João só fala e a cita duas vezes em seu evangelho, e isso nos causa admiração. Logo ele que conviveu tão perto dela , falar só duas vezes. São Lucas, por exemplo, fala muito mais e não era nem apóstolo”, admira-se.
Mas Dom Jacinto prosseguiu e atestou convicto que tudo fazia sentido: “São João é econômico nas palavras, mas é rico e profundo naquilo que coloca”. O Evangelho de João traz de maneira forte o nome mulher como um ser ligado a vida por isso é chamada de “mãe dos viventes” e de acordo com Dom Jacinto é aí onde São João expressa sua consideração de “Maria como mulher”.
Após abordar as três cartas e o Evangelho de João, Dom Jacinto chega em sua explanação no Apocalipse onde também se atribui a autoria ao Evangelista João e onde também usa o mesmo termo , pois fala de uma mulher no capítulo 12. “Um grande sinal apareceu no céu”. Esse texto, afirma o Pastor, nos aproxima de João ( nas bodas de canaa) e João (no calvário). Mais ai surge uma pergunta: o autor do apocalipse se refere à Igreja ou à Maria?
“ Hoje essa duvida não existe mais porque Maria está na Igreja e a Igreja está em Maria. Não há uma separação. Não se pode entender Cristo sem Maria. Ela lhe deu historicamente a condição humana. Também não pode se entender a Igreja sem o Mistério da encarnação do qual Maria faz parte. Na verdade o princípio mariano da Igreja é mais importante que o petrino porque sem Pedro, Jesus Cristo podia fazer a Igreja, mas sem Maria, não. E esse é o fundamento sólido bíblico: Nossa Senhora não é para nós uma devoção. Podemos ter devoção a São José, São Francisco de Assis, mas Nossa Senhora é algo que não se pode descartar . Ela faz parte da Igreja porque ela está ligada ao Mistério da encarnação, redenção”, afirma.
O Arcebispo continua afirmando que ela não é um apêndice. É como uma viga e por isso compreende-la é o mesmo que mergulhar no Mistério da salvação. É um olhar de grande alcance e profundidade. “O texto de Atos (1, 12-14)apresenta Maria no meio da Igreja, junto com os irmãos e também está depois, na ressurreição. Então a sua presença não é descartável. Podemos ter devoção a Maria mas não é optativo. Ela é parte estrutura l da vida de Cristo”, atesta.
Dom Jacinto prossegue com sua fala fazendo um alerta de cuidados e ratificando que Maria é uma só. “Não podemos fazer multiplicidades da pessoa de Maria. A Igreja sabiamente recomenda que haja apenas uma imagem de Nossa Senhora em cada Igreja e que isso evita esse equívoco e gera situações desconfortáveis. Fato que confunde as pessoas e também gera oposição em quem não partilha a mesma fé”, reforça.
Então, todas as indicações tem sentido, e por isso São João não fala em milagres e sim em sinais. “Ela cumpre aquele papel confiado às mães. E esse papel que é histórico e teológico da revelação de Cristo na obra joanina se confirma”, finalizou Dom Jacinto.
Por Vera Alice Brandão