Introdução
A experiência com Jesus Cristo, tanto para os cristãos do tempo presente quanto para os discípulos do nazareno, é uma segurança radical de que se está tremendamente tomado, inebriado pela numinosidade do mestre que se manifesta de maneira encantadora e peculiar no Monte Tabor. Nessa hora custa muito pouco testemunhar que Ele é de fato o Messias tão ardentemente esperado.
Mas, quando as luzes paulatinamente vão se apagando e Ele vai aparentemente se tornando um dentre tantos outros personagens sem brilho que terão de carregar sobre os ombros o madeiro maldito, marchar para a fatídica experiência das sombras da paixão extirpadora dos existentes. Eis o momento em que a fé corre o sério risco de se apagar sob as nuvens escuras do Gólgota.
Ora, sabemos evidentemente que as turvas nuvens do Gólgota, a pedra que lacrava o sepulcro ou a pesarosa madrugada do terceiro dia, não conseguiram anular a vitória do Messias sobre os grilhões da morte. Então, como podemos nos aproximar desse mistério de salvação para melhor entendê-lo nesse nosso Kairós?
Primeiro faremos um breve percurso pelos primórdios da compreensão acerca da ressureição respeitando as noções precedentes ao cristianismo em relação a ideia de vida para além da morte ou imortalidade da alma.
No segundo momento explanaremos sobre o mistério da ressurreição de Jesus de Nazaré como a máxima extraordinária referência cristã. O não apagar das luzes devido uma experiência com Aquele que vencendo a morte e ascendendo a natureza humana transcende toda realidade físio-espaço-temporal ao passo que se dá a conhecer num encontro pessoal.
1 A ideia de ressurreição e a esperança cristã
O conhecimento de que a crença na sobrevivência para além do drama da morte é uma realidade universal é incontestável. A humanidade resiste ao acabrunhamento existencial por parte da morte, não se deixa prender a facticidade do desfecho misterioso ao qual todos os nascidos de mulher estão naturalmente encaminhados. O ideal de vida para além da ruptura tenaz do fio condutor da vida é uma das realidades mais antigas que se pode imaginar.
Desde há, provavelmente, cem mil anos e, com segurança, desde cinquenta mil, consta que ou todos ou, pelo menos, alguns seres humanos ou grupos humanos acreditaram que alguns e, quiçá, todos os seres humanos existem, de uma forma ou de outra, depois desta vida. (VIA TALTAVULL).
A ideia de ressureição no cristianismo não se trata de uma extraordinária exceção à regra. É uma demonstração clara de que uma compreensão de transcendência comum alcançou as Sagradas Escrituras, alcançou a tradição bíblica. O que houve é que os primeiros “seguidores do caminho” a seu modo fizeram uma leitura hermenêutica reconfigurando a compreensão acerca da ressureição sob o impacto da cruenta morte de Jesus de Nazaré e as experiências e interpretações que esta evocou
Há uma experiência de fé pessoal e comunitária profunda de que a vida não tem sua existência extirpada com a morte, mas que, por graça e apoio divinos, se prolonga e adquire plena realização para além da dramática aparência de destruição total. Surge como um vinho novo, a certeza pela fé que, Deus em seu amor gratuito presenteia com a vida sua imagem e semelhança mortal. A vida eterna é dom divino.
A fé cristã na ressureição, ressureição de Jesus, é o seu cume e acontecimento causador e unificador de todas as outras manifestações de fé cristãs. Por isso é cabível, e porque não dizer necessário, um esforço cristão por se aproximar do processo de desenvolvimento da consciência primitiva sobre o acontecimento ressureição de Jesus.
Para empreender uma fantástica experiência com as Sagradas Escritura no que diz respeito ao tema da ressureição e particularmente sobre a ressureição de Jesus, afim de não entrar num processo de altas elucubrações metafísicas, faz-se necessário permanecer inicialmente no campo do que se nos será fundamental abordar.
Sem a pretensão de se desenvolver uma análise minuciosa, porém segura, que exigiria deliberações e considerações sobre o campo histórico, teológico e existencial, o tema da Ressureição de Jesus será enfatizado à luz do que se nos é apresentado pela comunidade marciana.
2 A proclamação da Ressurreição em Marcos
Jesus no Evangelho segundo Marcos, para atingir de forma efusiva, é dado a conhecer a comunidade como ressuscitado para na medida que acontece o aprofundamento com essa experiência, sob a força da fé, se adentrar mais a fundo no itinerário jesuânico. Marcos, enquanto ultimatum nada pobre como se nos apresenta em sua profundidade teológica, relata a experiência com a ressurreição de Jesus sob duas colocações literárias e teológicas diferentes (16, 1-8; 16, 9-20).
“Passando o sábado, Maria de Magdala e Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram aromas para ir ungir o corpo. De madrugada, no primeiro dia da semana, elas foram ao túmulo ao nascer do sol. E diziam entre si: ‘Quem rolará a pedra da entrada do túmulo para nós?’ E erguendo os olhos, viram que a pedra já fora removida. Ora, a pedra era muito grande. Tendo entrado no túmulo elas viram um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram cheias de espanto. Ele, porém, lhes disse: ‘Não vos espanteis! Procurais Jesus de Nazaré, o Crucificado. Ressuscitou, não está aqui. Vede o lugar onde o puseram. Mas ide dizer as seus discípulos e a Pedro que ele vos precede na Galiléia. Lá o vereis, como vos tinha dito’. Elas saíram e fugiram do túmulo, pois um temor e um estupor se apossara delas. E nada contaram a ninguém, pois tinham medo…” (Mc 16, 1-8).
Neste primeiro trecho evangélico encontramos relatos propriamente marcianos como as três mulheres (Maria de Magdala, Maria mãe de Thiago e Salomé) que se dirigem para o sepulcro, a intenção das mulheres de ungir o cadáver do Amado, o horário matutino, a inquietação quanto a dificuldade para retirarem a grande pedra que lacrava o sepulcro. A centralidade deste trecho de maneira muito clara se manifesta no sepulcro vazio. Pois “a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus” (BOFF).
E no segundo, Mc 16, 9-20, a centralidade está fundamentada na experiência pessoal com o Ressuscitado em suas aparições e no alegre anúncio dessa experiência a outros enfatizando tudo quanto vivenciaram.
Ora, tendo ressuscitado na madrugada do primeiro dia da semana, ele apareceu primeiro a Maria de Magdala, de quem havia expulsado sete demônios. Ela foi anuncia-lo àqueles que haviam estado em companhia dele e que estavam aflitos e choravam. Eles ouvido que ele estava vivo e que fora visto por ela, não creram. Depois disso, ele se manifestou de outra forma a dois deles, enquanto caminhavam para o campo. Eles foram anunciar aos restantes, mas nem nestes creram. Finalmente, ele se manifestou aos Onze, quando estavam sentados à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e a dureza de coração, porque não haviam dado crédito aos que o tinham visto ressuscitado. E disse-lhes: ‘Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura. Aquele que crer e for batizado será salvo; o que não crer será condenado. Estes são os sinais que acompanharão os que tiverem crido: em meu nome expulsarão os demônios, falarão em novas línguas, pegarão serpentes, e se beberem algum veneno mortífero, nada sofrerão; imporão as mãos sobre os enfermos e estes ficarão curados’. Ora, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao céu e sentou-se à direita de Deus. E eles saíram a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor, e confirmava a palavra por meio dos sinais que a acompanhavam.” (Mc 16, 9-20).
O Kérigma encontra sua principal dificuldade a se deparar com o mura da incredulidade dos receptores. Incredulidade esta que é reprovada por Jesus que lhes intima a prosseguir anunciando e batizando sob sua segura proteção e companhia na missão. Essa parte final do capítulo 16 de Marcos é uma síntese dos relatos de Mateus, Lucas e João, e é palavra de Deus inspirada tanto quanto todos os demais capítulos e versículos da Bíblia. O objetivo com que essa parte final foi adicionada foi o de superar o desconforto com a falta de anúncio das mulheres e o medo em relação a um acontecimento que deve ser visto com júbilo.
O que se percebe é que a necessidade de entender que cruz e ressurreição estão intrinsecamente relacionadas não é uma precisão somente das mulheres e homens contemporâneos a Jesus. Somente na fé e sob a ação do Santo Espírito é possível se familiarizar com o modo como Deus age quebrando caducos paradigmas na tessitura da história da humanidade.
Conclusão
Por tanto, o descoberta do túmulo vazio pelas mulheres é certeza de que a morte não é o fim de tudo. Sim, aquele que experimentou um choque frontal, sem possibilidade de retorno, com os poderes iníquos, opressores e corruptos, fora crucificado como Jesus de Nazaré e agora se apresenta a elas/eles e a humanidade inteira como o Ressuscitado. É o Jesus Glorificado, o mesmo que outrora realizara curas de inúmeros doentes e expulsara demônios.
“Pois quem quiser salvar sua vida vai perde-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho irá salva-la” (Mc 8, 35). A certeza da ressurreição possibilita muita esperança e jubilosa coragem, mas não furta dos imitadores do ressuscitado a dureza da cruz de que são portadores na expressão das dificuldades e perseguições da vida cotidiana. A certeza que a fé lhes assegura é que, como afirma o apóstolo dos gentios, “se morremos com Cristo, temos fé que também viveremos com ele” (Rm 6, 8).
REFERÊNCIAS BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador: ensaio de cristologia crítica para o nosso tempo. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. MARCONCINI, B. Os Evangelhos Sinóticos: formação, redação, teología. Trad. Clemente Raphael Mahl. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. MOSCONI, L. Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos: para cristãos e cristãs no início do novo milênio. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000. VIA TALTAVULL, J. M. La Immortalitat en la història de les religions e en la filosofía. In: MATABOSCH, A. (org.) La vida desprès de la vida. Barcelona, 1996.