O encontro pessoal com Jesus é transformador e impulsionador: modifica o homem de dentro para fora, dobrando todas as arestas pessoais nos ângulos do amor: “Eu vejo com os olhos de Cristo e posso dar ao outro muito mais que as coisas externamente necessárias: posso dar-lhe o olhar de amor que ele precisa” (DC n. 18). É impossível conhecê-lo e não se tornar seu discípulo, seu amigo: tão surpreendente e apaixonante é a pessoa de Jesus, nele vemos toda potência para o bem e o anseio por felicidade que trazemos no coração. “Conhecer Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça, e transmitir este tesouro aos demais é uma tarefa que o Senhor nos confiou ao nos chamar e nos escolher.” (DAp n. 18). A descoberta desse tesouro impulsiona-nos a levar também outros a se aventurar nos garimpos da própria alma para encontra-se com o Senhor, que nunca se distancia, mas está dentro de cada um de nós. Assim, já que toda vocação brota de um encontro pessoal com o Mestre, todo vocacionado é discípulo, e todo seguidor de uma personalidade tão fascinante quer fazê-la conhecida e amada. Dessa maneira, todos aqueles que se sentem convocados a um chamado radical para segui-lo de perto, na doação radical e consagração total, são, antes de tudo, discípulos-missionários de Jesus.
Vocação e ânimo missionário caminham juntos, chegam a confundir-se: antes da vocação ao sacerdócio, o discípulo sente-se impulsionado a anunciar a pessoa de Jesus. A vocação à missão é anterior e origem da vocação ao ministério ordenado: “a apresentação da mensagem evangélica não é para a Igreja uma contribuição facultativa: é um dever que lhe incumbe, por mandamento do Senhor Jesus.” (EN n. 5). A consciência dessa realidade leva-nos a observância de alguns aspectos que devem ser tônica na vida dos que se preparam para a seara de Jesus. Aqui apresentamos aqueles que nos parecem fundamentais.
Uma espiritualidade martirial, do “dom total de si”, leva o vocacionado a uma configuração plena à pessoa de Jesus, o Enviado do Pai. “Essa consciência não só corresponde a verdadeira natureza da missão que o sacerdote exerce em favor da Igreja e da humanidade, mas decide também a vida espiritual do presbítero que leva a cabo aquela missão.” (PDV n. 25). O missionário presbítero encontra nessa espiritualidade o sentido para seu ministério e sua realização como pessoa. Brota nele uma postura inquietante: há sempre algo em que se doar, e tal doação se faz na liberdade e o leva a dar testemunho da pessoa de Jesus. O encontro leva ao testemunho. “Por isso, bem merece que o apóstolo lhe consagre todo o seu tempo, todas as suas energias e lhe sacrifique, se for necessário, a sua própria vida,” (EN n. 5).
Vê na missionariedade uma exigência indispensável da própria proposta de Jesus. O que leva a Igreja a uma constante e inspiradora saída ao encontro daqueles que não conhecem a mensagem evangélica: “Não podemos ficar tranquilos, em espera passiva nos nossos templos.” (DAp n.548). A comunidade dos discípulos torna-se casa acolhedora dos que já estão em seu seio e envolvente resposta aos que estão nas encruzilhadas do mundo: “A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai.” (EG n. 47). Uma Igreja que corre os riscos de chegar aos areópagos de nosso tempo permanecendo arauto e testemunha do Evangelho. “Fiel ao modelo do Mestre, é vital que a Igreja saia para anunciar o evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo.” (EG 23). Assim, a gratidão está sempre presente nos gestos, nos lábios, na vida do “homem de Deus” nas pequenas e nas grandes ocasiões. A missão, dentro de uma espiritualidade martirial, ocupa o centro do coração do presbítero. É justamente o ardor em dar testemunho do Cristo que constitui o ministério do presbítero. No seio da missão que o coração do discípulo é configurado ao do Mestre,
A disposição para o serviço missionário, em qualquer situação, se faz uma experiência profunda de Deus, que se traduz na conversão pessoal e alegria na atividade missionária são sinais de uma autêntica vocação missionária, de uma vida arraigada no Espírito. Todavia, o apego às estruturas, a falta de dinamismo pastoral, o desconhecimento das realidades missionárias próximas, a desmotivação, refletida na frustração pessoal e vocacional, e a falta de testemunho pastoral e vida interior são claros sinais da falta de ânimo missionário nos presbíteros e nas comunidades eclesiais. O presbítero deve ser protagonista na animação e cooperação missionária, seja material seja espiritual e pessoal, sistematizando a ação evangelizadora e gerando comunhão. O palco dessa ação missionária deve ser as nossas periferias na opção radical pelos últimos. Com efeito, é dentro de nossas paróquias, casas religiosas e de formação que o despertar missionário deve acontecer. “Mas o estudo e a atividade pastoral remetem para uma fonte interior que a formação terá o cuidado de defender e valorizar: é a comunhão cada vez mais profunda com a caridade pastoral de Jesus” (PDV n. 57). O cuidado e carinho com a vocação missionária em nossas próprias estruturas é a chave para que o mundo conheça o Evangelho, para que cada um possa também se encontrar com Cristo Ressuscitado.
E ainda, a alegria de uma vida plenamente realizada, que nasce da entrega de si ao outro e da ardente busca de assemelhar-se a Jesus, que passou pelo mundo fazendo o bem, é um traço bastante clareador na vida daqueles que se propõem a configurar-se ao Verdadeiro e Bom Pastor. A alegria do conhecimento do Evangelho e do horizonte feliz que tal conhecimento nos traz são marcas significativas da vocação missionária ao sacerdócio.
Assim, as características de um futuro e já presbítero que possui verdadeiro ardor missionário são: a disposição para a doação total de si, o cultivo da intimidade pessoal com Deus e a alegria na missão. Uma vez que aperfeiçoam essas disposições e sentimentos, se fazem capacitados para compreender os novos desafios. Abertos à adesão aos pobres e dispostos a ir ao encontro das pessoas nos lugares de risco e marginalizados.
Diante dessa reflexão o vocacionado à missão de ‘pastor de almas’ deve comprometer-se em aproveitar os momentos de oração pessoal para aprimorar a vida interior, dedicar-se à pastoral missionária, além de empenhar-se na cooperação missionária, expressão concreta da caridade, que é o traço fundamental dos seguidores de Jesus. Sim, o seminarista, pois temos ouvido tantas vezes que ele é o presbítero de amanhã. Assim, nasce uma Igreja que não faz opção preferencial pelos pobres, mas se faz pobre para todos.
Francisco Ramires Barros Moura
REFERÊNCIAS
Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005) – Sobre o amor cristão;
Francisco, Exort. ap. Evangelii Gadium (24 de Novembro de 2013) – Sobre o anúncio do evangelho no mundo atual;
João Paulo II, Exort. ap. Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992) – Sobre a formação sacerdotal;
Paulo VI, Exort. ap. Evangelii Nuntiandi (8 de Dezembro de 1975) – Sobre a evangelização no mundo atual;
V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE, Documento de Aparecida (29 de Junho de 2007).