A questão da ideologia de gênero tem sido bastante discutida nos últimos dias em várias Câmaras Municipais ou nas Assembleias Legislativa dos Estados, especialmente se o termo em si pode ser incluído nos planos educacionais dos respectivos entes, dentro do contexto das diretrizes do Plano Nacional de Educação. A Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 aprovou o Plano Nacional de Educação e determinou que Municípios e Estados elaborassem seus respectivos planos.
Dentre os significados de “gênero” segundo o dicionário Aurélio, constitui-se: “o conjunto de propriedades atribuídas social e culturalmente em relação ao sexo dos indivíduos.” Diante de uma definição da expressão, o sexo de um indivíduo poderia ser atribuído, por ele mesmo, partindo de uma visão social e cultural – e não partindo da premissa de um gênero já definido, seja ele masculino ou feminino, ou mais especificamente, homem ou mulher.
Assim, alguns pontos podem ser dissecados para justificar quão inapropriadas as inclusões de expressões ou questões de “identidade de gênero” nos planos de educação dos Estados ou Municípios.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), apesar da vedação de qualquer tipo de discriminação, não suprimiu a distinção de gênero (homem e mulher). Ao contrário, o art. 17 reconhece o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de constituírem uma família, dentro das condições exigidas pela lei interna do país. Ao utilizar a expressões “homem” e “mulher” o documento internacional, cujo Brasil é signatário, mantem a distinção de gênero, logicamente sem qualquer discriminação em relação àqueles que não desejam assim serem intitulados. Veja-se que apesar do Pacto conduzir as garantias fundamentais à pessoa humana, como de fato deve ser, resguarda a distinção de gênero (homem e mulher), eis que compatível com a situação fisiológica de todo ser humano.
A Constituição Federal, logo no seu art. 5º, inciso I, mencionada que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” Tem-se aí o princípio da igualdade de forma geral, no viés formal, abrandado em muitas situações pelo viés material, porque fisiologicamente, por exemplo, homens e mulheres são diferentes. Essa situação justifica, cita-se, que as regras de aposentadoria sejam diferentes para homens e mulheres, pois são fisiologicamente desiguais. A situação em nenhum momento fere o princípio da não discriminação, ou a chamada cláusula geral de igualdade prevista na cabeça do art. 5º da Constituição Federal. Além disso, existem também as cláusulas especiais de igualdade, como no caso da proteção de filhos havidos no âmbito ou fora da constância do casamento ou da não discriminação nas relações de trabalho. Assim, seja a cláusula geral de igualdade, seja uma cláusula especial de igualdade, nenhuma delas, abala a distinção de gênero entre homem e mulher.
Na verdade, o Documento Final da Conferência Nacional de Educação (CONAE), produzido depois das deliberações realizadas de 19 a 23 de novembro de 2014, apesar de sua importância, não tem força normativa para impor diretrizes aos Estados e Municípios em tal particular. É que se a própria legislação federal afastou as expressões sobre ideologia de gênero, não caberia aos outros entes incluí-las em seus planos de educação, com base apenas no que foi definido no Documento Final da Conferência Nacional de Educação (CONAE), já que tal documento não possui qualquer força normativa.
A questão como colocada pode motivar que currículos escolares sejam ministrados por professores municipais/estaduais para definir uma distinção de gênero baseada em aspectos apenas culturais e sociais, diante dos papéis exercidos pela pessoa no âmbito da sociedade, desprezando-se a distinção que existe fundada em critérios legais e fisiológicos. Tal situação desprezaria o Pacto de San José da Costa Rica, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil e a legislação federal, apenas e tão-somente para se efetivar o Documento Final da Conferência Nacional de Educação (CONAE) que, como dito, não possui qualquer força normativa.
Por tais fundamentos, demonstra-se que inconstitucional a defesa da inclusão do termo “identidade de gênero”, ou mecanismos de promoção da mesma nos planos de educação dos Estados ou dos Municípios, por ofensa à ordem jurídica, quer internacional, quer nacional.
Carlos Wagner Araújo Nery da Cruz
Magistrado. Professor Efetivo de Direito da Universidade Estadual do Piauí. Presidente da Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos (Teresina-PI)