Em 20 anos nunca tinha visto nada igual. Foi minha primeira vez. Saí de casa cedo e já percebi um ritmo nas ruas. Reconheci as cores, pois, de repente, todo mundo estava vestido de forma idêntica. Indo pegar minha namorada em casa para irmos juntos, dei carona para três pessoas que também nunca tinha visto, conheci apenas as camisas delas, iguais a minha. É claro que eu não faço isso normalmente. Mas fui tomado de um sentimento e o fiz. Não vi naquela mulher com suas duas filhinhas pequenas três estranhas, reconheci três irmãs.
Chegamos ao ponto de partida. Os discursos eram tão bonitos que enchiam o coração. Falou o homem de vestes branca e roxo e falou o homem com vestes branca e verde. Suas palavras reverberavam na multidão feito o ar, e a luz do sol em seu nascente, já resplandecendo por entre as torres sagradas, vinha em nossa direção e plantava em cada consciência a mensagem deles. De repente, todos deram as mãos, milhares de pessoas mãos dadas como uma corrente só, e pronunciaram em uníssono as palavras fortes e verdadeiras que aprendemos ainda crianças, ajoelhadas ao pé da cama, falando ao Pai nosso. Logo após, o homem de branco e roxo ergueu os braços em direção à multidão, em forma de bênção e pediu aos céus pelo seu povo.
É dada a largada. Qual orquestra, afinado e harmônico, segue o povo em direção ao destino. Passamos pela avenida principal da cidade e talvez a mais querida, com muita história pra contar, a começar pelo seu nome de Frei. As frases vindas dos carros de som animavam e avivavam o sentimento na multidão. O dono do microfone, com admirável dom da Palavra, não arrefecia, lembrava os ensinamentos do Velho e do Novo, os exemplos de fé e as lições que o Rei dos Reis ensinara.
A caminhada seguia, como a vida tem de seguir. “Caminhar é preciso”, ouvíamos. Os exemplos de humildade e generosidade apareciam quando alguém mais distraído deixava cair um copo no chão e o outro apanhava para levá-lo ao lixo. Os exemplos de solidariedade evidenciavam-se quando um cadeirante era ajudado no obstáculo ou quando uma idosa era auxiliada nas calçadas. Os caminhantes sabiam do propósito maior. E estavam ali para servir. E tome caminhada! Quanto mais o sol esquentava, mais a bateria do povo carregava. Pareciam movidos a energia solar. Crianças, adolescentes, jovens, homens, mulheres, idosos. A união era tão forte que mais parecia a reunião de uma grande, enorme e infinita família. O sentimento compartilhado era o mesmo, como se fora distribuído em hóstia.
O final da multidão ainda estava antes da ponte com nome do inesquecível presidente Juscelino e o início já havia adentrado a avenida da adorada Nossa Senhora de Fátima. A ponte dessa vez ligou menos, o elo inquebrantável já existia nas pessoas, imensurável e justo. Já perto do ponto de chegada, relembro que aquele sentimento que pairava no ar não me era desconhecido, e com certeza ele era sim algo parecido com o vivenciado no Natal. Um mix de união, solidariedade, generosidade; o servir e o amor ao próximo.
O homem de branco com verde chama-se padre Tony Batista, o grande idealizador, e o homem de branco com roxo o arcebispo Dom Jacinto Brito, o abençoado das bênçãos. O Rei dos Reis, Jesus Cristo, Absoluto em Sua bondade. E o sentimento, meu Deus, foi a febre que tomou conta da 20ª Caminhada da Fraternidade.
Dilson Tavares
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